Depois que chegamos do hospital, fiquei atirada no sofá curtindo preguiça e calor. Meu Deus, como fazia calor naquele dia! Primeiro nós almoçamos, pois saímos tão eufóricos para a maternidade que nem almoço descia. Levei uma bronca da enfermeira por isso: “E se você estivesse em trabalho de parto? Ia precisar estar alimentada para ter forças!” Pedi desculpas e usei minha companheira azia como justificativa. Então, ao voltar pra casa, minha mãe esquentou as pizzas da noite anterior o foi o que comemos (já eram quase 4 horas da tarde). Deitada no sofá vendo TV, as pontadas começaram a ficar mais frequentes e falei pra minha mãe: “Acho que voltaremos pro hospital ainda hoje. Essas pontadas estão ficando contínuas e tô achando que de hoje não passa”. Falei com minha irmã no Brasil e ela me aconselhou tomar um banho demorado, deixar a água bater bastante nas minhas costas e lavar o cabelo. Essa hora foi engraçada, pois minha vó, que estava perto, falou assim: “Nem adianta lavar cabelo, vai suar tanto na hora do parto que vai perder a lavada”. Dei risada e agradeci a honestidade. Mas minha irmã tinha um ponto: e se eu precisasse da cesárea? Era bom estar prevenida. Pensei ainda: mesmo suando no caso do parto normal, era melhor estar com o cabelo um pouco mais limpo, né? Afinal, eu não sabia quando teria condições de lavá-lo novamente, independentemente do tipo de parto. Então fui pro banho por volta das 18h30 e lá fiquei por bastante tempo. E coincidência ou não, a água nas minhas costas começou a fazer aquelas pontadas ficarem mais intensas. Tão intensas que eu gritava pro marido cronometrar o tempo de cada fisgada que eu sentia (usando aquele APP que havíamos baixado). Saí do banho bem cansada, com uma dor bem mais aguda que a de antes, mas a frequência ainda era bastante incerta: entre uma e outra, alguns intervalos eram de 5, uns de 7 e outros até 10 minutos… ou seja, estávamos na mesma… Perto das 20h observei que as últimas 3 pontadas tiveram a mesma duração e que o intervalo entre uma e outra tinha ficado na casa dos 5 minutos. “Opa! Então eu estou mesmo com contrações!”, pensei. Este era o sinal de que precisava. A partir dali eu marcaria e observaria durante duas horas a frequência daquilo que pareciam ser as tão esperadas contrações. Jantei, sequei meu cabelo e fui fazendo tudo com o celular do lado: os intervalos continuaram frequentes e a dor vinha cada vez mais intensa. Meu coração se acelerava num misto de alegria e medo, afinal de contas, a hora pela qual esperei durante os últimos 9 meses e alguns dias nitidamente se aproximava. Quando o relógio marcou 22 horas, liguei na maternidade e relatei que as últimas duas horas tinham sido de frequentes contrações (intervalos de 5 minutos entre uma e outra) e que elas estavam se intensificando. A enfermeira do outro lado me disse o que me pareceu mais um desafio: “Si vous avez de courage, je vous propose d’observer encore pendant une heure parce que cela peut être rien”. Traduzindo: se você tem coragem, vou propor de observar por mais uma hora, pois isso pode ainda não ser nada. Isso queria dizer que ainda não era para ir para a maternidade. Eu deveria cronometrar por mais uma hora e, caso o quadro permanecesse ou se intensificasse, ligar novamente para eles e mais uma vez relatar. Talvez você que está lendo este relato e não conhece os padrões suíços esteja achando tudo isso uma bobagem e que eu fui uma tonta de ligar, que eu deveria ter ido direto para a maternidade. Bem, as coisas por aqui não funcionam bem assim. Desde que fiz o curso preparatório e escolhi aquele hospital para ter meu parto, a orientação recebida foi essa. E não adiantaria ir sem avisar, pois é assim que as coisas funcionam por aqui. Portanto, eu resolvi mostrar pra enfermeira que sim, eu tinha coragem. Ah! Ela ainda me aconselhou a tomar um banho. Quando disse a ela que eu já havia tomado banho e que foi exatamente durante o banho que minhas contrações aumentaram, ela respondeu: Então tome um segundo. Corajosa e obediente que sou, foi o que fiz. E naquele banho eu comecei a sentir a descrição que havia recebido de uma contração. Ah, como a dor era intensa! (E era apenas o começo…) Saí do banho e minha mãe já estava desesperada me dizendo para ligar logo na maternidade, mas ainda faltavam 20 minutos para eu mostrar para a enfermeira que sim, eu tinha coragem! Quando finalmente liguei, eu mal conseguia falar. As contrações vinham cada vez mais fortes e então veio a autorização do outro lado: venha para que façamos um controle. Não, eles ainda não estavam dizendo para eu ir me internar, mas teimosos (e esperançosos) que somos, fomos novamente de mala e cuia. Mas eu sabia, naquele momento, que estávamos indo para só voltarmos com a Giovanna nos braços. Então pedi pra minha mãe trazer meu Ipod para que eu ouvisse pela última vez a bênção para antes do parto – bênção proferida pelo Pe. Fábio de Melo no CD da Adriana Arydes que minha irmã me deu de presente no início da gravidez e que me acompanhou durante os 9 meses mais mágicos da minha vida (e que eu indico pra toda amiga grávida). Enquanto ouvia, chorei… minha mãe me beijou e disse: “Calma, vai dar tudo certo”. Não, mãe… não estou chorando de medo… é emoção mesmo! Chegou a hora! Eu vou me tornar mãe! Eu ainda tinha uma longa jornada pela frente… Mas naquele momento pedi forças a Deus e saí de casa com a certeza de que havia mesmo chegado a hora. Giovanna finalmente ia chegar!
O caminho para o hospital foi até tranquilo. Tão tranquilo que confesso ter ficado com medo de chegar lá e eles nos mandarem de volta dizendo que ainda não havia chegado a hora. Chegamos lá por volta das 23h30 e fui encaminhada para exames – os mesmos exames que fiz mais ou menos 10 horas antes: um aparelho medindo as contrações, outro controlando os batimentos cardíacos da Giovanna. Fiquei neste aparelho por uma hora e a dor continuava do mesmo jeito. A enfermeira que me recebeu, ao imprimir o relatório das contrações, me disse que eu estava em trabalho de parto, mas muito no início. Que os intervalos das minhas contrações eram de fato frequentes, mas que elas duravam pouco tempo (jura? Pra mim elas duram uma eternidade! – pensei) e que por isso ela achava que eu ainda não estava dilatando. E me disse: “O que eu te proponho é que você faça uma caminhada”. Oi??? Era isso mesmo que eu estava entendendo? Na verdade, eu não entendia o que ela estava propondo… se era pra eu voltar pra casa e caminhar por lá, se era pra eu ir pra beira do lago (rsrs) pra caminhar (afinal todo mundo aqui na Suíça caminha na beira do lago, né? Kkkk). O fato é que eu estava tão passada e com tanta dor que meu cérebro não processou a orientação. Olhei pro Júlio e ele parecia estar boiando tanto quanto eu, então eu resolvi me dirigir à enfermeira e perguntar: “Caminhar? Como assim?” Ela deve ter me achado uma tonta que não entendia o significado de “faire une promenade”, mas foi bem gentil e resolveu passar a informação de forma mais completa: “Andar ajuda a acelerar as contrações e, consequentemente, a dilatação. Então estou propondo que você caminhe aqui no hospital, ou lá fora, já que está uma noite quente… São 0h45, caminhe até às duas e pode voltar direto para este quarto”. Sinceramente eu não sabia se me sentia aliviada ou aterrorizada. O alívio era por não terem me mandado de volta pra casa. Mas caminhar por uma hora e quinze, com aquela barriga enorme e o calor que fazia? Isso era demais pra mim, mas lá fomos nós: Júlio, eu e meu barrigão de 40 semanas e 4 dias caminhar aos arredores da maternidade de Lausanne. Minha saga para o parto começava ali. Sim, estava só começando e se você veio até aqui na leitura desse gigantesco relato de parto, prepare-se porque agora é com emoção.
Passei por minha mãe e vó que estavam na recepção e pedi: rezem pra essa dilatação começar, porque me mandaram caminhar e lá vamos nós! Como o calor era realmente quase infernal, resolvemos caminhar lá fora, pois estava bem mais agradável. Cantamos, conversamos, demos até risada: aquilo seria história para contar no futuro, pois acho que só aqui mesmo uma grávida vai caminhar à uma hora da manhã. Na esquina do hospital, tem uma entrada para o metrô. Alguém havia falado pro Júlio que subir e descer escadas podia ajudar e então ele teve a brilhante ideia de me fazer subir e descer aquelas escadas inúmeras vezes. Ele ia comigo, me amparando e me incentivando, pois a cada degrau, a cada passo, a dor aumentava assustadoramente. Comecei a achar que estava com dor de barriga e quis inclusive ir ao banheiro. Chega a ser engraçado como a dor da contração pode ser confundida com uma cólica intestinal das brabas! De mãos dadas com o Júlio, cantei meu mantra das últimas semanas: mais uma música daquele abençoado CD da Adriana. Até brinquei que logo alguém chamaria a polícia, pois tinha uma grávida louca cantando no meio da rua. Uma louca que de tempos em tempos parava, se escorava nas muretas do hospital e xingava (sim, eu xingava!): eram as contrações ficando mais fortes e eu tentando ser mais forte que elas para voltar ao quarto no horário proposto pela enfermeira. Até que minhas forças se esgotaram e perguntei ao marido que horas eram. Faltavam ainda 15 minutos para as duas, mas para mim não dava mais. A barriga pesava três vezes mais, meus pés doíam e as contrações estavam ficando insuportáveis (eu ainda não sabia da missa um terço!). Decidimos entrar e esperar os 15 minutos sentados com minha mãe, mas nem isso eu consegui. Entrei com tanta dor que quando vi a enfermeira fui logo pedindo para voltar ao quarto – eu precisava deitar! Apenas acenei pra minha mãe e falei: “Tá tudo bem, só tá doendo demais!”, o que deve ter deixado a coitada ainda mais preocupada, mas tudo bem… Ela também já passou por isso – e duas vezes!
A enfermeira colocou novamente aqueles dois aparelhos na minha barriga e ficou conversando com um outro enfermeiro que, pelo que eu conseguia entender, estava assumindo o turno. E sim, eu estava entendendo direito! Ele logo veio se apresentar e falou o que tanto queríamos ouvir: “Já vimos que você está com muita dor e não vamos mandá-la de volta pra casa. Meu objetivo é ajudá-la a ter sua filha o quanto antes, então vamos trabalhar para acelerar essa dilatação!” Ufa! Era tudo o que eu precisava ouvir: eu estava oficialmente internada em trabalho de parto. (Continua no próximo post)
Beleza de descriçao. Estou esperando a continuaçao. Minha filha nasceu em Haia ha 23 anos. Adoro estórias de parto
Olá, Ivana! Obrigada por sua mensagem! A continuação está no post Relato de Parto II, espero que goste. Beijos!