Relato de Parto – Parte II

Foram mais 20 minutos naqueles aparelhos para então avaliar se eu estava finalmente dilatando. E sim, a dilatação havia começado, mas ainda estava lenta: apenas 2,5 cm (Só 2,5 cm? E eu com essa dor absurda? Eu realmente não sabia de nada, inocente!). Ele então autorizou o Júlio a buscar nossas malas no carro, trouxe uma camisola para mim e propôs algumas atividades para acelerarmos aquela dilatação que ainda estava tímida: exercícios na bola ou um banho na banheira? Eu disse que tanto fazia, mas acabei escolhendo a banheira. Afinal, eu tinha caminhado por uma hora e estava E-X-A-U-S-T-A para pensar em qualquer exercício. A orientação foi ficar o máximo de tempo possível. Quanto mais eu ficasse ali, de molho, melhor seria para acelerar o processo. Quando entrei na banheira (devia ser mais ou menos duas e meia da manhã), foi bem relaxante e quase agradeci por aquele momento. Mas bastou ficar 5 minutos “de molho” para as contrações virem ainda mais fortes. Usei todas as respirações e meditações possíveis que aprendi na yoga pré-natal, o que me ajudou a resistir ali por mais uns 20 minutos. Cada fisgada que vinha eu tentava respirar fundo, relaxar e mentalizar que logo aquilo tudo ia passar e eu teria minha filhinha em meus braços. Até acho que eu teria conseguido ficar mais tempo na banheira não fosse o fato de ter começado a perder sangue. Sim, eu comecei a perder bastante sangue depois que eles mediram minha dilatação e aquilo começou a me incomodar dentro da banheira (sou aquele tipo de pessoa que não pode, em hipótese alguma, ver sangue). O Júlio estava comigo e pedi que ele me ajudasse a sair, pois não dava mais, eu estava com muitas dores e ver aquele sangue não estava me fazendo bem. Ele me ajudou e nesse momento agradeci a ele pela cumplicidade, por estar aguentando comigo cada etapa daquele trabalho de parto. E pedi que ele prometesse que esqueceria aquela cena deplorável, que ele apagasse da memória a imagem da mulher dele se contorcendo toda, sangrando e urrando de dor. E aí eu vivi um dos momentos mais emocionantes de todo aquele doloroso processo. Ele me abraçou e disse: “Esquecer? Por quê? Eu estou orgulhoso de você, de ver tudo o que você está passando para trazer nossa filha pro mundo. O que está difícil pra mim é ver você sofrer e não poder fazer nada. Só quero que acabe logo pra você não sofrer mais.” E beijou minha barriga e pediu: “Vem logo, Giovanna! Estamos te esperando!”. Chorei e agradeci a Deus por ter um marido companheiro pra passar por tudo aquilo ao meu lado. Ele foi chamar o enfermeiro e eu fui me vestir, literalmente exausta, sem forças para nada…

Quando o enfermeiro chegou e me propôs os exercícios na bola, eu não sabia se ria ou se chorava… A dor era tanta que pensar em qualquer esforço físico já me deixava ainda mais cansada. Pedi pra descansar um pouco e ele concordou. Deitei na cama e entrei em um processo que não sei como descrever e relatar aqui. As contrações vinham cada vez mais fortes e eu me contorcia na cama. Não sei quanto tempo passou, para mim parecia que o tempo se arrastava… Os exercícios na bola foram deixados de lado e resolveram medir minha dilatação mais uma vez: 4,5 cm. “Você quer a peridural? A partir de agora, podemos aplicar, se você quiser.” Eu tinha um certo receio de tomar a anestesia, pois uma amiga havia me contado que, para ela, a peridural retardou o parto em 3 dias. E também eu ficava pensando: como vou fazer força na hora do parto se eu estiver anestesiada? Mas o marido veio nessa hora, me abraçou mais uma vez e disse: “aceita, meu bem! Podemos ficar aqui o tempo que for preciso, mas não aguento mais ver você sofrer.” Eu disse pra vocês que o relato era com emoção, né? Então… aceitei a peridural, mas ela não veio imediatamente. Passei por um período de dor que me fez perder os sentidos. Eu não tenho lembrança dos detalhes, muito menos noção de quanto tempo fiquei ali me contorcendo até que finalmente a anestesia fosse aplicada. Tenho alguns flashes de memória: a chegada do anestesista que se apresentou. Outros médicos e enfermeiros que chegavam para me examinar e se apresentavam… Aquele enfermeiro que me acompanhava dizendo que eu estava de parabéns, que eu estava indo muito bem… o anestesista dizendo que não podia aplicar se eu estivesse com contração… “Me avise se vier contração”… “Vire de lado”. “Está confortável pra você assim?”. “Você pode sair se quiser “, disse o anestesista para o Júlio, que se afastou um pouco no momento da aplicação da esperada peridural… “Eu estou bem aqui, só prefiro não olhar agora”… “Está sentindo as contrações?” “Parabéns, você resistiu bravamente. Você está agora com 7,5 cm de dilatação”, “Vamos ver se a anestesia pegou”, “Sente alguma dor?”… E assim foi até me colocarem de costas e eu sentir que ainda estava viva. Olhei para o relógio na parede e eram quase 5 horas da manhã. O anestesista entrou novamente para fazer o teste do quente e frio e verificar que eu estava de fato anestesiada. Explicações de como funcionava a peridural e o controle que eu tinha sobre ela: nas minhas mãos, um aparelho dosador que eu poderia apertar para o medicamento entrar na minha veia caso eu sentisse dores. No outro braço, um aparelho para controlar minha pressão durante a próxima hora. E eu podia descansar. Ufa… Eu até consegui esboçar um sorriso quando olhei pro Júlio e disse: “Não sinto mais dores! E viva a peridural!”.

Enfim anestesiada

O sorriso tímido e aliviado pós-peridural

Consegui dormir um pouco, apesar do barulho constante dos aparelhos, especialmente o que estava controlando minha pressão. Em algum momento o enfermeiro veio e falou o que foi música para meus ouvidos: “Sua filha nascerá hoje, dia 18 de julho. A dilatação está mais lenta agora, mas continua evoluindo.” Por volta das 7h30 ele me disse que minha bolsa continuava intacta, que eu havia chegado aos 9 cm, e perguntou se tudo bem se ele rompesse a bolsa e injetasse um pouco de ocitocina para acelerar aquele último centímetro de dilatação. Eu disse que sim e que confiava no que eles achassem que era o melhor para mim e minha filha. E então ele veio com o que parecia uma estaca branca e só não fiquei assustada porque a santa peridural estava no seu mais perfeito funcionamento. A bolsa foi rompida sem que eu sentisse nada e em pouco tempo cheguei aos 10 centímetros de dilatação. Mas vocês estão lembrados que falei que era com emoção, certo? Eu não estava mentindo.

Ao constatar minha dilatação completa, o fofo do enfermeiro também constatou que a Giovanna estava com a cabeça em má posição para o nascimento. O ideal é a criança nascer como se estivesse dando um mergulho, com a face virada para o chão, e ela estava com o rostinho voltado para cima. Ele me perguntou então como estavam minhas pernas. Eu disse que um pouco bambas devido à anestesia, mas que eu podia senti-las. Ele disse que era necessário mudar minha posição para ver se a Giovanna se virava e me propôs ficar “à quatre pates”- sim, é o que vocês estão imaginando. Na verdade, não era bem de quatro, pois fiquei de joelhos e abracei o encosto da cama. Eram 8 horas da manhã quando mudei de posição e tudo o que eu fazia era rezar e pedir à Giovanna que ela se virasse. Afinal, eu não tinha chegado até ali, passado por aquilo tudo pra terminar numa cesárea. Foram 30 minutos abraçada com o encosto da cama e ouvindo a movimentação dos enfermeiros. Entrou uma nova equipe para assumir a partir dali – o turno do enfermeiro que me acompanhara até aquele momento estava no fim. Mas ele só saiu depois de constatar que a medida dele para o bebê se virar havia dado certo. Sim, a meia hora que fiquei “à quatre pates” funcionou perfeitamente e Giovanna estava finalmente no que eles chamam de boa posição. O enfermeiro se despediu e duas enfermeiras assumiram o turno: uma mais velha, outra mais jovem que foi inclusive apresentada como estagiária (achei interessante que eles perguntaram se tudo bem ela participar do parto uma vez que estava em formação). Comecei a ouvir as enfermeiras dizendo que a equipe entraria às 9h10, nascimento previsto para 9h30. Olhei para o Júlio e disse: tá chegando a hora! Meu coração disparou e nessa hora senti uma fraqueza danada, achei que fosse passar mal… eu não podia comer nada, então me deram um copo de suco de laranja. Acho que também aquela meia hora em uma posição não muito confortável fez com que eu ficasse mais fraca.

A partir daí, eu não sei dizer se o tempo voou ou congelou. Eu não tinha mais noção de que horas eram, não conseguia olhar o relógio, mas entrou uma galera (a “equipe” que estava prevista pra entrar 9h10, lembram?), alguns se apresentaram, outros não, mas enfim… recebi a informação de que havia chegado a hora e a orientação era começar a fazer força. Meu Deus, que momento surreal! Como estava anestesiada, eu não sentia dores, nenhuma contração aparente, mas tinha que fazer força. Uma força que vinha da minha alma e que eu nunca imaginei que tivesse. A equipe me dizia o momento que era pra fazer força, o Júlio segurava minha cabeça e eu só conseguia olhar para a enfermeira estagiária que me encarava e dizia com mais força que eu: “Allez, allez, allez” (que quer dizer: vai, vai, vai!!!!). E eu ia. Não sei como, não sei com que força, mas ia… E a Giovanna nada! Todos me diziam que estava tudo bem, que eu estava indo muito bem, o que me tranquilizava. Mas confesso que eu estava exausta. Me viraram de lado para fazer força numa outra posição e começamos de novo: “Allez, allez, allez!!!”. E volta pra posição anterior. E foi aí que a enfermeira-chefe me disse: “Ela apontou! Já vejo um belo cabelo, como o da mãe!” Júlio e eu nos olhamos e não nos contivemos: “Ela tem cabelo???”(Tínhamos uma certa convicção de que ela nasceria carequinha). Rimos. E lá fui eu por mais uma ou duas vezes tirar forças não sei de onde para a Giovanna sair.

E então o momento mágico aconteceu. Ouvi um chorinho leve e senti que colocavam aquele ser minúsculo em cima do meu corpo cansado e ofegante. Olhei para ela e não pude conter as lágrimas. Ela estava ali, perfeita, de olhinhos abertos e bastou ouvir minha voz para parar de chorar. Não consigo descrever a emoção que senti, mas posso dizer que as dores e o cansaço ficaram pequenos perto daquele momento grandioso e divino. Era o momento mais feliz da minha vida. O momento mais emocionante de todo aquele processo de dor e cansaço. Um momento de glória! Eu tinha minha filha nos meus braços. Eu havia conseguido. O parto tinha finalmente terminado e agora havíamos nascido: ela para o mundo, eu para a maternidade. E parecia que minha vida só passava a ter sentido a partir daquele momento. Ela ficou um bom tempo ali, quietinha, deitadinha em meu peito, até que a enfermeira me disse que precisava examiná-la e pediu que o Júlio a acompanhasse.

Com meu maior presente nos braços

O momento mais sublime da minha vida

Ouvi os médicos dizerem que minha placenta havia saído inteira, que tudo estava normal. A médica chefe do plantão (que já havia se apresentado quando entrou aquela galera toda), veio se desculpar e explicar que a episiotomia tinha sido necessária, que eles tentaram ao máximo não fazer, mas que não houve alternativas. A episiotomia é algo bem polêmico no parto normal, há quem diga que é uma violência contra a mulher, que é mutilação e tals. Eu, particularmente, não tenho nada contra e já havia inclusive dito à equipe que não me importava de fazer se houvesse necessidade. Tive uma recuperação super tranquila no pós-parto e não tenho nada contra a declarar. Se foi preciso, foi preciso e pronto. Detalhe: quando ouvi o chorinho da Giovanna, ouvi também a enfermeira dizer a hora do nascimento: 10 horas e 11 minutos. Ou seja, eu fiquei fazendo força por uma hora – por isso já estava tão exausta (e não sei se vocês se lembram, mas a previsão deles era que o nascimento se daria em 20 minutos). E a episiotomia foi feita no último instante, ou seja, eles de fato tentaram evitá-la, mas não foi possível.

Bem, vamos de volta à mesa de parto, pois as emoções não pararam por aí. Logo que levaram a Giovanna para examinar, aquela minha fraqueza se instalou novamente e tive um mal estar gigantesco. Pedi ajuda à enfermeira que rapidamente ergueu um pouco mais a cama e providenciou um recipiente onde eu pudesse vomitar. Sim, eu sentia que ia vomitar – e foi o que aconteceu. Minhas vistas se escureceram, fui ficando muito fraca e ouvi o Júlio dizer: ela tem pressão baixa! Aquela mesma enfermeira que dizia “Allez, allez, allez” segurou no meu rosto e me disse para não fechar os olhos, para olhar pra ela que eles iam colocar um remédio pra minha pressão “Restez avec moi!”, ela dizia e me encarava. Aos poucos fui voltando ao normal, aquele mal estar foi passando. Ufa! Minha pressão havia baixado muito e por isso eu fui sumindo, mas graças a Deus a equipe agiu em tempo e tudo se estabilizou. Só o meu cansaço que não. Trouxeram almoço para mim, mas eu não consegui comer nada, apenas um pedaço de uma banana e algumas frutas secas (a comida me embrulhava o estômago de novo). Trouxeram a Giovanna já vestida e, com ela ali, abraçadinha comigo, dormi um pouco até que nos levassem finalmente para o quarto. Aqui na Suíça, mesmo quando o parto é normal, fica-se no mínimo três dias no hospital. Mas vou deixar pra contar isso em outro momento, pois já deixei aqui uma overdose de posts com esse relato de parto imenso, né? Eu disse que era com emoção, alguém duvidou? Mas querem saber: passaria por tudo isso de novo! E para constar: se Deus quiser, quando Ele mandar meu próximo filho, também tentarei o parto normal e esperarei por ele. Foi cansativo? Sim. As dores das contrações foram terríveis? Sim. Concordam que foi com emoção? Mas foi lindo e valeu muito a pena! E mesmo correndo o risco de ser repetitiva, eu digo que sim, eu passaria por tudo, tudo isso outra vez só para ter minha filha ali, nos meus braços, naquele momento divino e sublime do nosso nascimento.

Giovanna, presente de Deus

Amor inexplicável

12 comentarios en “Relato de Parto – Parte II

    1. Fernanda Diniz Autor

      Obrigada, Thiciene! Tentei realmente traduzir em palavras toda a emoção desse momento, se é que isso é possível. Você sabe bem disso, né? rsrs Beijos e obrigada pelo carinho! Outros capítulos virão sim, com certeza! 🙂

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  1. Mônica

    Nossa que medo fiquei depois de ler seu post rsrsrs!
    Estava me convencendo do parto normal mas ainda tenho dúvidas … e me preocupa demais o problema da língua! Na hora do nervosismo não entender nada e muito menos comseguir falar alguma coisa kkk !
    Aonde ela nasceu, no CHUV?

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    1. Fernanda Diniz Autor

      Oi Mônica! Ela nasceu no CHUV sim! Mas não queria passar medo não! rsrsrs
      Eu SUPER recomendo o parto normal e também o CHUV. Você mora onde aqui na Suíça? Se quiser tirar mais dúvidas, estou à disposição. Minha intenção não era assustar não… rsrsrs
      Entre em contato por email que podemos conversar melhor se você quiser saber mais algum detalhe. Beijos e boa sorte! E fique tranquila que tudo dá certo na hora H 🙂

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  2. Célia Souza

    E eu, que vivenciei isso bem de perto, emocionei-me novamente ao ler todo o relato. Foi como um filme passando na minha cabeça. Nós na sala de espera, ansiosas por noticias. Mas foi maravilhoso reviver. Beijos, minha linda!!! Mamãe ama demais da conta!!!

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  3. Roberta

    Uauuuuu estou amando ler tudo isso !!! Como medica obstetra em outro país e em outra realidade, conhecer e aprender como é a rotina dos profissionais da minha área aí do outro lado do mundo é muito interessante … e claro também, como futura gestante e mamãe … apesar de viver esse momento das pacientes todos os dias, me arrepiei aqui pensando quando for a minha hora … Você escreve divinamente bem … Parabéns !!!

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    1. Fernanda Diniz Autor

      Que bom, Betinha! O objetivo é esse mesmo, dividir minha experiência com quem se interessa pelo assunto, seja no lado profissional ou pessoal! Fico feliz que tenha gostado e se emocionado! Que Deus a abençoe muito, pois sua profissão é linda e importantíssima! E que quando chegar sua hora você possa se sentir amparada e transbordar de amor! Um super beijo e obrigada pelo carinho!

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